Intermediários: os agentes invisíveis que estão moldando a filantropia
Cultura de Doação
Por Luiza Serpa
Quando se fala em filantropia, o foco geralmente recai sobre grandes fundações e bilionários doadores. No entanto, há um ator fundamental, muitas vezes invisível, que tem desempenhado um papel decisivo na transformação do setor: os intermediários filantrópicos, tema do artigo “Not just philanthropy middlemen: The unseen role of intermediaries”, publicado recentemente na Alliance Magazine, a principal revista de filantropia e investimento social em todo o mundo.
Essas organizações fazem a ponte entre doadores dos mais diversos portes e iniciativas locais de base, especialmente em contextos onde a ajuda tradicional não consegue operar com eficácia. Longe de serem meros “readores” de recursos, os intermediários são atores estratégicos — conectam, defendem e interpretam realidades locais, oferecendo apoio financeiro e institucional de forma mais ágil, flexível e contextualizada.
Ao contrário de grandes fundações, que muitas vezes operam com protocolos rígidos e pouco conhecimento do terreno, os intermediários têm capacidade articuladora para realizar doações mais flexíveis e emergenciais. Mais do que financiadores, atuam como parceiros próximos das organizações sociais, oferecendo e ao desenvolvimento institucional e ao impacto de longo prazo.
Um exemplo no Brasil é o Phi, organização não-governamental que assessora investidores sociais – que podem ser indivíduos, famílias ou empresas – na doação para ONGs, com diversidade de causas, tamanhos e territórios, em todo o Brasil. Ao mesmo tempo, o Phi fortalece a gestão de projetos sociais e culturais, com soluções inovadoras e personalizadas. Em 11 anos de atuação, mais de 2.000 projetos sociais já foram apoiados, movimentando cerca de R$ 233 milhões para o setor.
Além do apoio financeiro, muitos intermediários oferecem treinamento, assistência técnica e desenvolvimento de lideranças, sempre respeitando culturas locais. E, mais importante, estão dispostos a apoiar causas que algumas grandes fundações evitam por serem consideradas mais “polêmicas” ou “arriscadas” na defesa de direitos.
Apesar disso, intermediários ainda não conquistaram o lugar que merecem neste ecossistema. Relatórios que os comparam diretamente com financiadores “originais” ignoram suas particularidades e contribuições únicas, especialmente em cenários onde são o único canal possível para o apoio às organizações de base.
No artigo publicado na Alliance Magazine, os autores citam o relatório “Bridging the Gap – Grantee Perspectives on Intermediary Funders” (em português, “Reduzindo a distância – Perspectivas dos beneficiários sobre financiadores intermediários”), publicado pelo Center for Effective Philanthropy (CEP). Segundo este estudo, as organizações financiadas consideram os intermediários filantrópicos frequentemente essenciais para alcançar organizações menores ou em regiões de difícil o, onde financiadores diretos não conseguem atuar com a mesma agilidade e sensibilidade contextual.
Se a filantropia quer de fato alcançar seus objetivos progressistas — como descentralização, equidade e justiça social — reconhecer o papel dos intermediários é essencial. Eles não apenas movem recursos: constroem pontes, descentralizam o poder e viabilizam mudanças sistêmicas. Em contextos desafiadores e instáveis, sua atuação se torna ainda mais estratégica — abrindo espaço para soluções criativas, parcerias mais horizontais e o fortalecimento institucional de iniciativas de base, que seguem resistindo e inovando.
*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor
Sobre a autora: Luiza Serpa é fundadora e diretora do Instituto Phi – Filantropia Inteligente, única brasileira no Conselho Estratégico da rede Latimpacto, Responsible Leader da BMW Foundation, fellow da Skoll Foundation, integrante do Conselho da rede NEXUS Global, membro da Entrepreneur’s Organization (EO). Faz parte do comitê da Plataforma Conjunta e foi reconhecida como Empreendedora Social do Ano pela Folha em 2020. Luiza contou sua história num capítulo do livro “Mulheres do Terceiro Setor”, da Editora Leader, que aborda as histórias, cases, aprendizados e vivências de 18 empreendedoras sociais ao longo de sua carreira.