Termômetro da Doação: será que a cultura de doação brasileira está com febre?
Cultura de Doação
Por Andréa Wolffenbüttel
Medir o estágio de desenvolvimento de uma cultura não é tarefa fácil. Conseguimos intuir, desconfiar ou sentir se a cultura está avançando ou recuando, mas dizer, com algum grau de objetividade, se ela está crescendo ou minguando é desafio para lá de grande.
Por isso, o Terceiro Setor recebeu com tanto entusiasmo o lançamento do Termômetro da Doação, um conjunto de indicadores construído para fazer um diagnóstico de como anda a cultura de doação no Brasil, sob diferentes aspectos, com indicações do que pode ser feito para superar os principais obstáculos.
Tudo começou há quatro anos, quando o Movimento por uma Cultura de Doação (MCD) estabeleceu as cinco diretrizes para orientar pessoas e organizações que desejassem estimular a cultura de doação. Todo mundo ficou contente, mas logo veio o questionamento: como vamos saber se nossas ações estão dando resultado? Se a cultura de doação está evoluindo?”.
A resposta chegou no dia 5 de setembro último, com o Termômetro da Doação. Um instrumento que traçou uma linha de base, a partir das cinco diretrizes, mostrando em que ponto está a cultura de doação no Brasil. E o resultado é: estamos estagnados. Se for para responder ao título da matéria, estamos em estado febril, ou seja, não é algo grave, mas também não podemos dizer que estamos saudáveis.
O Termômetro é um instrumento complexo, composto por 46 rubricas que apresentam 40 índices de 18 fontes diferentes, abrangendo o período entre 2015 e 2023. Mas é possível entender o diagnóstico a partir das cinco diretrizes analisadas.
A diretriz 1 é a que recomenda o desenvolvimento de uma educação para a cultura de doação. Propõe a criação de ambientes propícios ao fortalecimento do espírito cívico e comunitário dentro de escolas, de famílias e de empresas. Essa diretriz tirou nota 4,2. Sobretudo porque ainda não se educa para que as pessoas entendam o poder transformador da doação nem valorizam o trabalho das organizações da sociedade civil.
A diretriz 2 é a promoção de narrativas engajadoras. Histórias positivas e qualificadas sobre a cultura de doação, que cheguem ao grande público. Essa diretriz tirou nota 5,0. O que mais pesou para esse resultado foi o fato de não termos muitos canais e estratégias para a comunicação com um público amplo e diversificado (o Observatório do Terceiro Setor é uma exceção) e também porque não foi possível encontrar um índice sobre ações de comunicação voltadas para valorizar a importância das organizações da sociedade civil e o papel dos doadores em sua sustentabilidade financeira.
A diretriz 3 trata da importância de se criar um ambiente favorável às doações, ou seja, doar deve ser fácil, rápido e ível para todos. Essa diretriz ficou com a pior nota: 3,6. E o que prejudicou seu desempenho foram três pontos. Primeiramente porque há poucos projetos e iniciativas visando facilitar o processo de doação. Em segundo lugar porque as pessoas não sabem que é possível doar e descontar do imposto de renda. E por último, porque o sistema bancário não é adequado para as necessidades das organizações da sociedade civil, o que faz com que doar fique complicado para os doadores.
A diretriz 4 recomenda o fortalecimento das organizações da sociedade civil. Esse fortalecimento a pela necessidade de qualificação profissional, o a bons serviços, equipamentos e tecnologia, para que possam produzir mudanças sistêmicas. A diretriz 4 obteve nota 5,0 porque as entidades quase não recebem recursos para seu fortalecimento. As doações vão diretamente para os projetos sociais, sem que os doadores contribuam para a instituição propriamente dita. Além disso, não foi possível identificar nenhum indicador que informe sobre a atração de novos profissionais para o terceiro setor.
A quinta e última diretriz propõe que os agentes que promovem a cultura de doação trabalhem de maneira mais integrada e estratégica, atuando como um setor. Essa diretriz tirou nota 4,6 e foi prejudicada, sobretudo, porque não há indicadores para dizer se os doadores têm consciência da necessidade de financiar as entidades que estruturam o campo da filantropia.
Depois de tantas notas baixas, talvez o leitor esteja se perguntando se é possível considerar que o quadro da cultura de doação no Brasil não está muito grave.
A explicação é que, além das diretrizes, o Termômetro também considera uma dimensão adicional, que avalia se as pessoas, entidades e empresas estão doando recursos e tempo. E justamente neste último tópico, a nota subiu para 5,7, elevada pelo fato de que há mais pessoas doando, o valor médio doado está aumentando pouco a pouco e a prática do voluntariado está crescendo entre os indivíduos e as empresas.
Porém, o mais valioso do Termômetro da Doação é que ele não é um simples instrumento para indicar o grau de evolução da cultura de doação. Ele também aponta onde é preciso trabalhar para que a cultura de doação prospere no Brasil. Basta olhar as rubricas que foram classificadas como “ruim” ou para as quais sequer existem indicadores.
Vale muito a pena baixar a publicação e descobrir como é possível transformar o panorama da cultura de doação no Brasil, e o material completo.